terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

«Para discernir o que mais convém» (Fil 1,10)

BITTASI, S., «“Per scegliere ciò che conta di più” (Fil 1,10). Il criterio cristologico dello scegliere nella lettera di san Paolo ai Filippesi», in Rassegna di Teologia XLVII, 6 (2006), pp. 831-849.

O artigo de Stefano Bittasi analisa o critério cristológico do escolher na Carta de são Paulo aos Filipenses.
O autor, retomando a tese de Cullmann[1], mostra como o verbo dokimazein (“discernimento”) seja a chave de toda a moral neotestamentária, enquanto «capacidade de tomar em todo e qualquer momento a decisão ética conforme ao Evangelho, coerentemente com o conhecimento do acontecimento da salvação».
Partindo da constatação de que o verbo em questão abarca em si, no grego, uma vasta gama de significados, o artigo centra-se no sentido com que são Paulo fala aos Filipenses, em Fil 1,10. Aqui, dokimazein aponta para o discernimento em ordem a uma escolha ética. Antes de entrar na análise desse versículo, Bittasi apresenta as outras passagens em que Paulo usa o verbo com o mesmo significado:
1Ts 5,21-22: «Examinai tudo (panta de dokimazete), guardai o que é bom. Afastai-vos de toda a espécie de mal».
Rm 2,17-18: «Mas, se tu gostas que te chamem judeu, te apoias na Lei e te glorias de Deus, conheces a sua vontade e sabes, instruído pela Lei, o que há de melhor a fazer (dokimazeis ta diapheronta) […]».
Rm 12,2: «Não vos acomodeis a este mundo. Pelo contrário, deixai-vos transformar, adquirindo uma nova mentalidade, para poderdes discernir (eis to dokimazein) qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que lhe é agradável, o que é perfeito».
O autor passa, agora, a analisar a passagem da Carta aos Filipenses: «E é por isso que eu rezo: para que o vosso amor aumente ainda mais e mais em sabedoria e toda a espécie de discernimento, para vos poderdes decidir pelo que mais convém (eis to dokimazein ta diapheronta), e assim sejais puros e irrepreensíveis para o dia de Cristo, repletos do fruto da justiça, daquele que vem por Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus».
É importante sublinhar o contexto em que Paulo escreve aos Filipenses. Bittasi, juntamente com outros autores, defende a tese segundo a Carta aos Filipenses seria a sua última Carta. Seria, então, quase um “testamento espiritual” do Apóstolo, prisioneiro em Roma e consciente de que está perto a sua morte. Paulo opera uma leitura do percurso de Jesus Cristo, do seu phronein, como exemplar do dar a própria vida / morrer do discípulo. Torna-se um critério de verificação do próprio discipulado. Não por acaso, o não querer andar por este caminho é definido como um ser inimigos da cruz de Cristo (cf. Fil 3,18). Toda a Epístola mostra como a situação existencial actual de Paulo não é mais do que a aplicação desse único modo de viver a fé cristã (cf. 2,3-8; 2,20-21; 2,30; 3, 7-11; 3, 18-20).
A raiz de qualquer comportamento ético encontra-se no phronein en Christo(i) Iesou (ou seja, a expressão de Fil 2,5: «Tende entre vós os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus»), como verdadeiro “lugar” em que se opera aquele discernimento que nasce do amor e do conhecimento cristologicamente orientados, com a consciência de que tudo o resto é lixo (cf. Fil 3,7-11)!
Finalmente, analisando o processo dos Exercícios Espirituais de santo Inácio, o autor encontra um paralelismo com o discernimento espiritual de soa Paulo. Santo Inácio, ao propor o mesmo dinamismo que ele próprio viveu, retoma o itinerário que já foi de são Paulo. Na oração do Sume et suscipe da contemplação para alcançar o Amor (234) encontramos o ponto de chegada do inteiro caminho dos Exercícios: o poder orientar-se, na própria existência concreta, para escolher o que mais conta. E isto, individuado no dom total de si, por aquele que já não põe ao centro os próprios interesses, mas está disposto a dizer…tudo dispões segundo a tua vontade. Dá-me o teu amor e a tua graça, e só isto me basta. Conclui, portanto, o autor: «Como não reconhecer aqui o eco da oração de Paulo de Fil 1,9-11?».
Paolo Ciampoli

[1] Cf. O. CULLMANN, Cristo e il tempo, Il Mulino, Bologna, 1964.

Um comentário:

  1. Interessante...já a Teologia Moral Fundamental tinhamos visto um texto que apresentava o verbo dokimadzein como essencial na moral paulina...«se vivemos pelo Espírito, caminhemos pelo Espírito». Amen

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