sexta-feira, 29 de maio de 2009

Paulo e o desporto


A utilização de "vocabulário desportivo" nas cartas paulinas (nomeadamente em Fl 2,16; Fl 3,12-14; 1Cor 9,24-27 ; Gl 2,2; 1Tm 4,8 e 2Tm 4,6-8) evoca o desporto tal como era praticado e encarado na cultura helénica: com uma importante vertente religiosa. De facto, em nenhuma outra cultura conhecida, se atingiu um tal nível de desenvolvimento harmonioso do corpo humano, integrando o desporto na παιδεία do cidadão, e ligando-o intimamente à arte, à poesia, à cultura e à religião.

Já nos Poemas Homéricos, testemunhos de uma época muito anterior, encontramos o gérmen desta concepção, num passo da Odisseia em que Laodamante, filho do rei Antínoo, diz a Ulisses: «na vida não há maior glória para o homem do que os feitos alcançados pelos pés e pelos braços».

Na Antiguidade Clássica os maiores e mais importantes eventos desportivos eram os jogos olímpicos, píticos, nemeus e ístmicos, e para os competidores destes eventos, o objectivo era não só alcançar a glória, mas também atingir algo mais completo e abrangente, a καλοκαγαθία, palavra que traduz uma noção de excelência quer moral quer física.


O grande poeta lírico Píndaro (sécs. VI-V a.C.) deixou como legado à humanidade as suas evpinίκια, odes destinadas a serem cantadas aos vencedores destes grandes jogos. Mas não são simples hinos desportivos, ligados a comemorações vitoriosas tal como as entendemos na nossa época. Píndaro, diz-nos A. Caeiro, vê nestas disputas pela vitória um recurso hermenêutico para a compreensão da situação existencial do ser humano em agonia – de αγών,, que tanto pode significar disputa, luta, como provação ou perigo. «Ficar entre os primeiros é encontrar um lugar para ser. É perceber que se pode ter vivido sem ter existido. Sem ter sido». Daqui se infere a enorme densidade filosófica – e necessariamente também teológica – que o desporto tinha na Antiguidade. Escreve Aristóteles: «é dado adquirido que a educação moral deve preceder a educação intelectual, e que é necessário exercitar o corpo antes de exercitar o espírito».


Durante o período de tempo em que foram disputadas estas competições – desde o século VI a.C. até ao século IV da nossa era – a honra que um atleta atingia quando vencia em todos os grandes Jogos merecia-lhe o título de Περιοδονίκες, ou seja, vencedor total. Conta Cícero que, após Diágoras de Rodes ter visto dois filhos seus a sucederem-lhe na obtenção desta máxima honra, um certo espartano exclamou: «Morre, Diágoras, não podes subir aos céus». Serve isto para ilustrar o lugar fundamental do desporto enquanto admiração pela superioridade física que caracteriza o mundo helénico. Daí que não seja de espantar que Paulo, nas passagens referidas acima, utilize metáforas que remetem para o mundo do desporto, evocando ginástica, corridas e lutas, de modo a comunicar o Evangelho da salvação numa linguagem nova e não directamente religiosa. Talvez uma lição para os dias de hoje?

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Carta a Filémon por Luís Miguel Cintra

COMPANHEIROS DE PAULO

Nas Cartas de proto paulinas aparecem 50 nomes de pessoas, 48 delas Paulo diz o nome e 2 não conhecemos o nome (mãe de Rufo Rom 16,13; irmã de Nereu Rom 16,15).
A Carta aos Romanos é a Carta por exelência pois é onde aparece mais nomes: 26 nomes de pessoas, 3 Igrejas domésticas(casa de Priscila e Áquila16,5; de Aristóbulo 16,10; e de Narciso 16,11) e dois grupos de escravos (16,12.16,14).
As restantes Cartas de Paulo (Gl, 1Ts, 1 e 2Cor, Fl e Flm) aparecem 24 nomes, todos indentificados e 2 Igrejas domésticas (1Cor 1,11 Casa de Cloé; Fl 4,22 Casa de César).
Nomes que aparecem na Carta aos Romanos:
Febe, Priscila, Áquila, Epéneto, Maria, Andrónico, Júnia, Ampliato, Urbano, Estáquio, Apeles, Herodião, Trifena, Trifosa, Pérside, Rufo, mãe de Rufo, Assíncrito, Flegonte, Hermes, Pátrobas, Hermas, Filólogo, Júlia, Nereu, e sua irmã, Olímpio, Timóteo, Lúcio, Jasão, Sosípatro, Tércio, Gaio, Erasto e Quarto.
Nomes que aparecem nas Cartas: 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1 Tessalonissences e Filémon
1Cor: Sóstenes, Gaio, Estéfanes, Apolo, Barnabé, Timóteo, Fortunato e Arcaio.
2Cor: Silvano e Tito.
Gálatas: (não aparece nenhum)
Filipenses: Epafrodito, Evódia, Síntique e Sízigo.
1 Tessalonissences: Silvano e Timóteo (nomes já acima referidos)
Filémon: Filémon, Ápia, Arquipo, Onésimo, Epafras, Marcos, Aristarco, Demas e Lucas.


O termo vísceras (splanchna) nos autores judaicos:

Filón de Alexandria e Flávio Josefo
[1]

São Paulo por várias vezes usa o termo splanchna nas suas cartas. Interessou-nos saber como era este termo usado pelos escritores judaicos contemporâneos de Paulo.

Para Filón de Alexandria, o termo splanchna tem um significado puramente anatómico, afirmando que «o lobo do fígado, a mais nobre das vísceras, é a primícia do sacrifício». As splanchna são contadas entre os meios ilícitos de adivinhação do futuro.

Se estômago, coração, pulmões, baço, fígado, rins são contados entre as splanchna, estas distinguem-se das restantes partes do corpo, como a testa, o ventre, etc. As splanchna são a parte interna do corpo, que podem simbolizar a dimensão da virtude, na qual só a razão pode penetrar.

Outro uso mais metafórico é quando um certo Jacob se lamenta pela alegada morte de seu filho: «Tornaste-te um lauto banquete para as bestas carnívoras que devoraram as minhas vísceras», ou seja, aquilo que lhe era mais caro e precioso, o seu próprio filho (Jos 25).

Quanto a Flávio Josefo, ele utiliza o termo splanchna quando se refere à morte de Aristóbulo, descrito na Guerra dos Judeus, em que o autor faz a seguinte descrição cruenta: «as vísceras não se dividiam com a dor incessante» (Guerra dos Judeus, 1,81.84). Noutro contexto, fala também de uma flagelação que metera a descoberto as vísceras de todos (Guerra dos Judeus, 2,612).

De referir que este uso ao mesmo tempo realístico e cruento relembra a descrição da morte de Judas em Actos 1,18: «Precipitou-se de cabeça para baixo, rebentou pelo meio, e todas as suas entranhas se espalharam».

Finalmente, na descrição de Flávio Josefo acerca da guerra civil, o termo splanchna assume um valor figurado, mas não propriamente metafórico: trata-se do interior orgânico da nação que é destruído (Guerra dos Judeus, 6,263).



[1] Cf. KOSTER, H., Splanchna, in KITTEL, G., Grande Lessico del Nuovo Testamento, Paideia, Brescia 1979, XII, 917-918.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Dez imagens da Cristologia Paulina

I. A justiça de Deus se realiza mediante a fé em Jesus Cristo – Rm 3,21-31
Rm 3,21 – 21Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; 22justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que crêem; porque não há distinção,

II. Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores – Rm 5,1-11
Rm 5,8 – 8Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores.

III. Cristo o novo Adão – Rm 5,12-21
Rm 5,17 – 17Se, pela ofensa de um e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os que recebem a abundância da graça e o dom da justiça reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo.

IV. Morremos com Cristo e viveremos com ele – Rm 6,1-11
Rm 6, 8 – 17Se, pela ofensa de um e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os que recebem a abundância da graça e o dom da justiça reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo.

V. A pregação da cruz como força de Deus – 1Cor 1,18-31
1Cor 1,23-25 – 22Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; 23mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios; 24mas para que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. 25Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.


VI. JESUS CRISTO, o único alicerce – (1Cor 3,10-23)
1Cor 3,11 – 11Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo.

VII. Os membros do corpo que formam um só conjunto - (1Cor 12,1-13,13)
1Cor 12,12-13 – 12Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com respeito a Cristo.
13Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito.

VIII - O glorioso ministério do Espírito – o tesouro - (2Cor 3,4-5,21)
2Cor 4,7 – 7Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós.

IX – O Deus despojado (Kenosis) – (Fl 2,1-30)
Fl 2,7 – 7antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, 8 a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz.

X – Ele é a cabeça do corpo, que é a Igreja – (Cl 1,9-2,23)
Cl 1,18 – 18Ele é a cabeça do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para em todas as coisas ter a primazia, 19porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude.

Paulo e a participação de todos na evangelização

sintese de um artigo de Wilson Augusto Costa Cabral, sdn
Mestre em exegese bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma
Encontrado em www. cnbb.org.br

Uma última lição que podemos tirar da vida de Paulo é o modo como ele se dedicava à formação de comunidade e o modo como ele conquistava novos colaboradores e colaboradoras para a obra da evangelização.
Paulo era inquieto no anúncio do Evangelho. Ele percorria as cidades de seu tempo e lá fundava novas comunidades com lideranças locais. Permanecia algum tempo, organizava e estruturava a comunidade e depois partia. Depois ele não a abandonava, mas fazia contacto, escrevia, orientava. Desse modo ele se fazia presente na vida e na missão dos outros cristãos de seu tempo.
Outro factor interessante é que Paulo sabia formar e contar com colaboradores. O número deles, se observarmos o livro dos Actos dos Apóstolos e as Cartas, passa de oitenta. Em Corinto, no começo dos trabalhos, ele conta com o casal, Áquila e Priscila (cf. At 18,2), em Filipos ele conta com o auxílio das mulheres que já se reuniam para a oração (cf. At 16,13-15). A sua missão aparece como uma missão que é da Igreja e que por isso tem sempre de envolver mais pessoas na obra que é eclesial e em última instância, do próprio Deus.
Dentro desse aspecto comunitário da missão é interessante a forma como Paulo manteve-se sempre unido a Pedro, aos outros apóstolos, e às demais comunidades. O sentido de pertença e ao mesmo tempo a sua fidelidade impressionam a qualquer um que tenha contacto com sua vida.

terça-feira, 26 de maio de 2009

“Quando eu for para Espanha”

1 – No coração de Roma, onde palpitava toda a vida do Império, Lucas deixa-nos Paulo a anunciar livremente o Evangelho de Jesus Cristo. «Recebia todos os que o procuravam, pregando o Reino de Deus. Com toda a coragem e sem obstáculos, ensinava as coisas que se referiam ao Senhor Jesus Cristo» (Act. 28, 30-31). Lucas quis terminar o seu livro num contexto de liberdade e glória para o Apóstolo dos Gentios. Entretanto surgem-nos algumas perguntas: Foi julgado no tribunal de César e declarado inocente? Os judeus da Palestina vieram a Roma acusá-lo? Da sua morte, que a tradição apresenta como mártir, Lucas deixa-nos na incerteza.As duas cartas a Timóteo e uma a Tito mostram-nos o apóstolo novamente preso em Roma e esquecido pelos amigos, «somente Lucas está comigo» (2 Tim. 4,11).E o desejo veemente de Paulo de chegar até à Espanha, como escrevera na carta aos Romanos, «quando eu for para a Espanha espero ver-vos por ocasião da minha passagem. Espero receber também a vossa ajuda para ir até lá…» (Rom. 15, 24)?Paulo foi libertado cerca do ano 62, se a sua morte ocorreu no ano 67 ou 68 d. C. sob o imperador Nero, que, segundo Tácito, nos seus Anais, «produziu bodes expiatórios, com todo o refinamento, os notoriamente depravados cristãos, como eram popularmente chamados», o apóstolo teve ainda cinco a seis anos durante os quais não deixou de anunciar o Senhor Jesus Cristo. Eusébio, o exímio historiador das origens do cristianismo, escreveu na sua História Eclesiástica (2. 25): «está registado que Paulo foi decapitado em Roma, no reinado de Nero».«Atingiu o extremo do ocidente»

2 - Paulo tinha um temperamento de fogo que exigia acção imediata, a sua opção por chegar até ao fim do ocidente para evangelizar, como teve tempo após ser libertado em Roma, não agiu contra si mesmo. Acreditamos, portanto, que veio até à península ibérica por via marítima, viagem aliás fácil, num dos barcos que saía do porto de Óstia e, após uma semana, chegou às costas da Catalunha. Quanto ao lugar e forma de evangelização, nem o apóstolo nem Lucas, o redactor dos Actos dos Apóstolos, nada deixaram escrito, mas Clemente de Roma, escrevendo aos Coríntios, falando dos últimos anos do apóstolo escreveu: Paulo «foi um arauto do (evangelho) não somente no oriente, mas também no ocidente… tendo ensinado a justiça em todo o mundo ele atingiu o extremo do ocidente, e deu o testemunho diante do governo».Roma não é o extremo do ocidente, este testemunho de Clemente compreende-se, se, após Roma, Paulo veio até à península ibérica cuja viagem estava programada desde há vários anos. Se o apóstolo sofreu um segundo cativeiro romano, como escreveu Clemente, que não foi uma residência forçada como na primeira chegada a Roma, mas uma prisão provocada por denúncias, sendo «vítima dos ciúmes e da discórdia, Paulo mostra-nos o preço que estava reservado à sua paciência».Neste texto, São Clemente alude não só à pregação de Paulo no extremo ocidente, mas também a um segundo cativeiro romano, provavelmente vítima de acusações dos judeus. O apóstolo foi preso «com cadeias, como se fosse um malfeitor», escreveu a Timóteo (2 Tim. 2, 9).«Lembrado das tuas lágrimas»

3 – Segundo as cartas pastorais a Timóteo e Tito, Paulo voltou novamente, após a viagem a Espanha, ao oriente para preparar a sucessão nas igrejas que ele tinha estabelecido, tanto em Éfeso, onde colocou Timóteo, como na ilha de Chipre, confiada a Tito. Talvez que tivesse visitado as comunidades que tanto amara e onde era amado, Filipos e Tessalónica, que «irradiavam a palavra do Senhor» (1 Tess 1, 8).Do porto de Neápolis, a actual Kavala, tomou a nave para Tróade, onde talvez por causa do calor, deixou o manto em casa de Carpo, com os livros e os pergaminhos (2 Tim. 4, 13) que continham as Escrituras hebraicas, talvez palavras de Jesus e cópias das cartas que escrevera às comunidades e as que tinha recebido delas.É provável que, antes de chegar a Éfeso, tivesse visitado as grandes cidades romanas de Pérgamo e Esmirna, comunidades que não tinham sido criadas por ele, mas pelos seus missionários provenientes de Éfeso. Nesta cidade encontrou o amigo e companheiro de tantas viagens apostólicas, Timóteo, que não tinha uma personalidade forte e decidida para enfrentar um cargo tão oneroso numa cidade tão difícil de controlar as exigências e ideias da comunidade cristã, num meio pagão. Na carta que lhe enviou, Paulo escreveu: «sem cessar, noite e dia, faço memória de ti nas minhas orações, desejando ver-te, lembrado das tuas lágrimas, para me encher de alegria, trazendo à memória aquela fé tão sincera que há em ti…» (2 Tim. 1, 3).Paulo, em Éfeso, tinha a seu lado vários companheiros de apostolado, Tito, Lucas, Dimas, Tíquico que, de Roma, levara as cartas aos Colossenses e Efésios, Trófimo que o acompanhara a Jerusalém na última viagem e fora, inconscientemente, causa da sua prisão no Templo. Foi na província da Ásia que Paulo teve conhecimento da situação catastrófica que se abatera sobre os cristãos de Roma. O imperador Nero, que no princípio do seu reinado se mostrara moderado, enlouqueceu após o incêndio de Roma, no ano 64 d. C. Nero tomou medidas drásticas para calar os que lhe atribuíam a causa do incêndio da cidade. A culpa era dos cristãos. A notícia correu veloz por todo o Império e chegou às igrejas paulinas da Ásia, da Macedónia e da Acaia. Paulo decidiu voltar a Roma e enviou à frente Tíquico para informar a comunidade da sua decisão e planos. Não sabemos o que aconteceu para ser preso, mas quando se quer destruir uma comunidade, começa-se por aprisionar os chefes, neste caso, Pedro e Paulo.

D. Teodoro, Bispo Emérito do Funchal


http://www.jornaldamadeira.pt/not2008sup.php?Seccao=16&id=124382&sup=4&sdata=

sábado, 23 de maio de 2009


A Beleza da Glória de Deus na criação


"Ao abrir os horizontes da fé, no diálogo com a cultura do seu tempo (recordando as passagens na sinagoga judaica, no areópago grego ou no fórum romano), Paulo revolucionou o mundo ao pregar com ardor e paixão o hino da caridade, da liberdade dos filhos de Deus.

Para Paulo, artífice da palavra, Deus «não habita em santuários construídos pela mão homem (...) não devemos pensar que a Divindade seja semelhante ao ouro, à prata ou à pedra, trabalhados pela arte e engenho do homem» (Act 17,24-29).

Deus ao habitar na história humana suscita a conversão, abertura do coração, o desinstalarmo-nos para ir ao encontro do rosto do Outro, do próximo na sua indigência.

Como diz Urs von Balthazar a «palavra de Deus suscita a resposta do homem, tornando-se ela própria o amor que responde e que deixa ao mundo a iniciativa» de representar algo em tons humanos.

Homem aoaixonado por Cristo, «espírito ao contrário», um «vulcão», «umas das personagens mais fascinantes da Bíblia», segundo as palavras da pintora Ilda David, Paulo revela-nos o esplendor da glória de Deus, na revelação suprema da cruz de Cristo, beleza que salva o mundo, por um acto de amor total, gratuito, num «excesso de dom» - (João Duque)".

D. Jorge Ortiga (Arcebispo Primaz de Braga)



(texto proferido por D. Jorge Ortiga, na inauguração da Exposição da pintora Ilda David)


Paulo de Cristo

"O coração e os olhos de uma testeminha, com um Amor perfeito e um Ver perfeito (1Cor 9,1), o qe«ue significa que Paulo não deixará mais de ser amado e de amar, de ser visto e de ver Cristo Ressuscitado. Paulo sabe que «Outro morreu por ele, por amor», para usar as palavras de Soren Kierkegaard. É por isso que é um grande teólogo e um cristão admirável, que, segundo o seu próprio dizer, vive «de Cristo», «em Cristo» e «para Cristo». Define-se por Cristo e não pelo mapa ou qualquer nota anagráfica: «Paulo de Cristo», que pouco tem a ver com o Paulo de Tarso..."

D. António Couto (Bispo Auxiliar de Braga)

sexta-feira, 22 de maio de 2009

BLOGUE

Tenho de esforçar-me por manter o contacto com este caderno «blogue», isto é, comigo mesmo, senão as coisas vão mal; a cada momento continuo ainda em perigo de me desorientar e me perder, é o que sinto um pouco neste momento, mas pode ser também devido ao cansaço...(Etty)

Tudo é coincidência ou nada é coincidência

Se eu acreditasse na primeira hipótese, não conseguia viver, mas ainda não estou convencida da última. ( Etty Hillesum)

PAULO - Uma biografia alarmante

Imaginemos um homem, que durante a sua juventude esteve cheio de ódio e violência. Que viveu apegado ao tradicionalismo oficial, intolerante e persecutório. Que mais tarde mudou de vida e se uniu a uma seita dissidente. Então, e como parte dela, esteve preso várias vezes, tanto no seu país como no estrangeiro. Foi condenado pelo menos oito vezes a diferentes tipos de penas pelas autoridades judiciais. Viveu conflitos com os dirigentes do seu novo grupo e teve de suportar duras querelas por questões de liderança e de reconhecimento. As multidões que costumavam juntar à sua volta, por varias vezes, estiveram quase a apedrejá-lo e pelo menos uma vez fizeram-no. Em várias ocasiões teve de fugir em segredo, procurado pelas autoridades. Por três vezes foi condenado à morte. De uma delas, escapou de noite com ajuda dos amigos. De outra, foi libertado, muito provavelmente, graças a um indulto festivo. Da terceira… foi executado.
Não parece a biografia de um cidadão disciplinado e inocente, nem a de um intelectual de biblioteca. Parece mais a biografia de um chefe de um poderoso grupo de delinquentes, ou a de um activista político altamente perigoso. Contudo, trata-se da biografia de S. Paulo feita com dados extraídos das suas próprias cartas. (Ariel Valdés)

quinta-feira, 21 de maio de 2009

O PARADOXO DA INCREDULIDADE DOS JUDEUS

Paulo vê com realismo o problema criado pelo apostolado cristão. A propaganda nos meios judaicos marcava passo; a comunidade judeo-cristã reduzia-se às dimensões duma minúscula seita com alguns milhares de membros. Entretanto os pagãos aceitavam avidamente a mensagem e as igrejas multiplicavam-se rapidamente na Ásia Menor, na Acaia e na Itália.

Instituição de autoridades locais regulares

«As cartas pastorais recordam as disposições tomadas por Paulo para organizar as igrejas locais. Duas preocupações essenciais o guiam: constituir autoridades estáveis, na dependência estreita dos Apóstolos e dos seus delegados e conservar intacto o depósito confiado a estas igrejas por Cristo e pelos seus Apóstolos.» L. CERFAUX Itinerário espiritual de Paulo.

As "entranhas" do AT


No texto grego dos LXX (o nosso AT mais alguns apócrifos), as ocorrências são as seguintes:

2Mac 9,6: «E, na verdade, bem o merecia, pois ele mesmo rasgara as entranhas de outros com inauditos tormentos»

4Mac (4º Livro dos Macabeus) 5,30;11,19;15,23: «nem tiraste o meu olho, nem dissolveste as minhas entranhas (…) e rasgou as suas costelas e queimou as entranhas (…) enchendo-lhe o coração de coragem»

Od (Odes) 9,78: «pelas entranhas de misericórdia do nosso Deus»

Pr 12,10: «mas as entranhas dos ímpios são cruéis»

Sir 30,7;33,5: «se comoverão as suas entranhas (…) Os sentimentos do insensato são como as rodas de um carro»

SS (Salmos de Salomão): «incomodam-me o meu estômago e as minhas entranhas por causa destes»

É interessante ver que a maior parte das ocorrências se fica pelo sentido primeiro do termo, ou então por um sentimento negativo, que caracteriza os ímpios ou aqueles que estão num estado de aflição. Apenas por uma vez se relaciona com Deus, numa frase que é ipsis verbis de Lc 1,78. Portanto, a carga positiva com que este termo se encontra nos escritos paulinos não parece provir das Escrituras…

As "entranhas" do NT


O termo splanchna que, como vimos, é bastante importante para entender a Carta a Filémon, aparece no NT nas seguintes passagens (traduções da Bíblia dos Capuchinhos):

Lc 1,78: «graças ao coração misericordioso do nosso Deus»

Act 1,18: «depois de ter adquirido um terreno com o salário do seu crime, precipitou-se de cabeça para baixo, rebentou pelo meio, e todas as suas entranhas se espalharam»

2Cor 7,15: «A sua afeição por vós aumenta ainda mais»

Fl 2,1: «Se tem algum valor uma exortação em nome de Cristo, ou um conforto afectuoso, ou uma solidariedade no Espírito, ou algum afecto e compaixão»

Col 3,12: «revesti-vos, pois, de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência»

Flm 1,7.12.20: «os corações dos santos foram reconfortados por meio de ti (…) ele, isto é, o meu próprio coração (…) reconforta o meu coração em Cristo»

1 Jo 3,17: «Se alguém possuir bens deste mundo e, vendo o seu irmão com necessidade, lhe fechar o seu coração, como é que o amor de Deus pode permanecer nele?»

Coração, afecto, afeição…mas também entranhas, vísceras, intestinos. Portanto, apesar do sentido metafórico do termo ser mais utilizado, também se regista o literal, referindo-se às entranhas de Judas espalhadas pelo chão, depois de se ter enforcado. Imagem forte, sem dúvida. Mas não menos forte do que a dos outros passos, onde splanchna designa aquilo que Eurípides chamou de «a natureza íntima do homem», e onde tem uma íntima relação com agápe.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

(re)ler a carta aos Romanos

“Que o vosso amor seja sincero. Detestai o mal e apegai-vos ao bem. Sede afectuosos uns para com os outros no amor fraterno; adiantai-vos uns aos outros na estima mútua. Não sejais preguiçosos na vossa dedicação; deixai-vos inflamar pelo Espírito; entregai-vos ao serviço do Senhor. Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração. Partilhai com os santos que passam necessidade; aproveitai todas as ocasiões para serdes hospitaleiros.

Bendizei os que vos perseguem; bendizei, não amaldiçoeis. Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram. Preocupai-vos em andar de acordo uns com os outros; não vos preocupeis com as grandezas, mas entregai-vos ao que é humilde; não vos julgueis sábios por vós próprios. Não pagueis a ninguém o mal com o mal; interessai-vos pelo que é bom diante de todos os homens. Tanto quanto for possível e de vós dependa, vivei em paz com todos os homens. Não vos vingueis por vós próprios, caríssimos; mas deixai que seja Deus a castigar, pois está escrito:

É a mim que compete punir,
Eu é que hei-de retribuir,
diz o Senhor.

Em vez disso, se o teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer; se tem sede, dá-lhe de beber; porque, se fizeres isso, amontoarás carvões em brasa sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem.”

Rom. 12, 9 – 21

segunda-feira, 11 de maio de 2009


A Carta aos filipenses

Filipos foi a primeira cidade a ser evangelizada e que fica na Província da Macedónia.

A Carta aos filipenses é considerada como sendo a carta mais pessoal das cartas de Paulo. 51 vezes, ele emprega o pronome pessoal na primeira pessoa. É, pois, uma carta do “eu”; está mais próxima do ambiente pós – Paulino.
Esta celebre carta de Paulo pode ser referida em dois lexemas: sentimentos e aborrecimentos. Paulo escreve aos cristãos de Filipos 1,1 para agradecer os bons sentimentos que os filipenses lhe manifestaram aquando da sua prisão em Éfeso. Realmente, quando os filipenses tiveram conhecimento da prisão de Paulo enviaram-lhe Epafrodito com uma ajuda monetária, que Paulo agradece profundamente profundamente através desta carta 2,25. Entretanto, Epafrodito caiu doente e esteve a beira da morte 2,19, e é desta maneira que Paulo escreve a carta.
Paulo refere os bons sentimentos dos filipenses para com ele em 1,3-11; 2,15-30; 4,10-20. E refere os aborrecimentos, relacionados com os seus opositores em 3,2.17-21 (3,2: «Cuidado com esses cães, cuidado com esses charlatães, cuidado com os da multidão» katatomèn, paranomásia para produzir a circuncisão relacionada com os judeo – cristãos inimigos de Paulo).
É verdadeiramente uma carta de sentimentos como se de um pai se tratasse. E Paulo é, de facto, um pai, pois foi por ele que os filipenses nasceram para a fé em Jesus Cristo.
Os sentimentos positivos pelos filipenses por Paulo levam-no a espraiar-se em sentimentos fraternos e paternais por eles e pelos próprios sentimentos de Cristo Jesus para com todos.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

A Apostolicidade de São Paulo

Paulo nas suas cartas apresenta-se como o “Apóstolo de Jesus Cristo”. Por exemplo: “Paulo, chamado por vontade de Deus a ser apóstolo de Cristo Jesus”1Cor.1,1
Das 80 vezes que o vocábulo “Apóstolo aparece no Novo Testamento, 34 derivam das Epístolas Paulinas.

Qual o fundamento da Apostolicidade de São Paulo?

- Servo de Cristo: Pelo seu chamamento, Paulo entrega-se ao serviço de Cristo, onde experimenta a intimidade da Vida em Cristo.
“É que, para mim, viver é Cristo e morrer, um lucro” Fl. 1, 21

- A Autoridade da Palavra: ser Apóstolo é ser servo da Palavra. A palavra é uma grandeza que Paulo tem a necessidade de transmitir:
“Porque, se eu anuncio o Evangelho, não é para mim motivo de glória, é antes uma obrigação que me foi imposta: ai de mim, se eu não evangelizar!” 1Cor 9,16

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A justificação pela fé e a liberdade cristã

Elaborado a partir de seguinte Bibliografia:
Giorgio Girardet, La Letteran di Paolo ai Galati, Claudiana Editrice, Torino, 1982.
E. Cothenet, A Epistola aos Galatas, Edições Paulinas, São Paulo, 1985.
Josef Holzner, Paulo de Tarso, Quadrante, São Paulo, 1994.

1) A justificação pela fé – passagem da escravidão á liberdade

Um elemento inteiramente novo do cristianismo é a gratuidade da graça e da redenção caracterizada pela justificação pela fé. Este é um dos elementos centrais do Evangelho de Paulo. É uma certeza que brota da sua própria experiência pessoal. A experiência da gratuidade de Deus que fez a caminho de Damasco.
Esta justificação pela fé é o início de uma vida nova na liberdade do Espírito de Deus; é a regeneração do homem, a realização da redenção caracterizada pela passagem do estado de pecado para o estado da graça. Tudo isto é obra de Deus e consequência da morte de Cristo, sem qualquer contribuição pessoal por parte do homem. A justificação e a salvação é obra do Cristo crucificado e ressuscitado. “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: ‘maldito todo aquele que for pendurado no madeiro’, para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo, e para que pela fé nós recebamos a promessa do Espírito” (Gl 3, 10-14).
A verdadeira novidade de Jesus Cristo é esta. Pela sua morte na cruz Ele anula a maldição e a transforma em bênção. Assim, o justo é o homem que Deus declarou justo, independentemente do cumprimento de Lei. Pois, nenhum acto humano pode tornar-se causa ou condição de salvação, com excepção do acto de fé gerado pelo amor através do Espírito Santo. Esta fé que justifica, e da qual a vida brota como de uma raiz, não é obra essencialmente humana, mas é obra de Deus, uma dádiva gratuita do Espírito Santo.
O impulso que conduz à fé procede primeiramente de Deus, pois, como diz Paulo “de nada valem o querer e o correr do homem mas somente a misericórdia de Deus” (cf. Rm 9,16).
O homem, assim, é justificado não por um acto meramente humano de fé (confiança) em Deus, mas pela graça de Cristo mediante a Sua morte e ressurreição. Não se trata de uma fé meramente humana mas de uma fé potenciada pela graça de Cristo e do Espírito Santotrata-se “da fé que opera pelo amor” (Gl 5, 6).
Nesta carta aos gálatas, o apóstolo apresenta também a oposição entre a justificação pela fé em Cristo e a justificação pelas obras. Paulo diz que a observância da Lei é simplesmente impossível, e que a justificação se dá pela fé, como obra exclusiva da graça de Deus. Também Pedro havia declarado no Concilio de Jerusalém que a Lei era “um jugo que nem nossos pais nem nós pudemos suportar” (At 15, 10). Estabelece-se, assim, uma oposição entre a justiça da Lei e a justiça pelas obras, entre a fé e a Lei. A lei é inferior à fé, pois, não salva ninguém, antes é causa de maldição, porque indica ao homem o caminho perfeito que é impossível de ser alcançado, advogando contra o homem a sua incapacidade. Quem salva é Jesus Cristo e a obra de libertação que Ele realizou gratuitamente. O próprio apóstolo testemunha: “O homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo. De facto, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada” (Gl 2, 16). Aqui, passa-se de um quadro jurídico da justificação para ingressar no domínio do amor gratuito de Deus. Saímos da justiça distributiva (própria da Lei) para entrar na lógica da justiça do amor oblativo. Como João, Paulo descobre o mistério do amor sobre a cruz de Cristo. De objecto de horror e de sinal de maldição, ei-la transformada em revelação de amor. Pela cruz, morte e ressurreição, eis que entramos no novo tempo da gratuidade da graça. Entramos na plenitude dos tempos, onde as palavras de ordem serão: fé, graça, Cristo e Espírito Santo.
Paulo teve o mérito de descobrir que a morte de Cristo na cruz significava o fim do regime da Lei. Conforme as expressão grega “dikaiwqw/men evk pi,stewj Cristou” (Gl 2, 16) e “dikaiwqh/nai evn Cristw”/ (Gl 2, 17) nós percebemos que a justificação se dá a partir de (evk) a fé, mas em (en) Cristo. Para Paulo a fé é um viver em Cristo: “já não sou eu que vivo mas é Cristo que vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2, 20).
O acto pelo qual somos justificados não é uma simples sentença de absolvição, mas uma “nova criação” (Gl 6, 15) em (en) Cristo. A intervenção de Deus, à qual a fé dá acesso, consiste, portanto, num novo plasmar espiritual do homem pelo Espírito Santo, que o configura com Cristo e torna-lhe possível uma vida autenticamente filial. Segundo o apóstolo, a justificação pela graça de Cristo introduz o homem numa vida espiritual de filiação divina em Cristo, mediante o Espírito Santo: “Vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adopção de filhos. E, porque sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai” (Gl 4, 4-6). Graças ao Espírito o homem adquire uma vida de autêntico de filho de Deus.
Para Paulo, a justificação é apenas a primeira etapa no caminho da santidade, uma etapa transitória no processo espiritual, depois do qual se estende a imensa e cálida paisagem da vida em Cristo, sob a suave moção do Espírito Santo. A justificação não é mais do que um começo da vida cristã. A partir daqui a “nova criatura” deverá velar pela sua união com Cristo; já não tem o direito de se deixar conduzir pelos instintos da carne, mas deve obedecer aos impulsos do Espírito Santo. A justificação é apenas uma etapa transitória no processo espiritual que dá início à vida em Cristo, como o Paulo testemunha na sua própria vida: “já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim; e a vida que eu agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2, 20). Pela fé, como acto de adesão voluntária a Cristo, o apóstolo participa da vida e dos méritos de Cristo.

2) A liberdade cristã: vida segundo o Espírito

Depois de ter exposto a tese da justiça pela fé, Paulo tira as consequências: o que os gálatas têm a fazer é corresponder à sua vocação de liberdade, aquela que o Espírito suscita nos filhos de Deus. “Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não useis então da liberdade para dar ocasião à carne, mas servi-vos uns aos outros pelo amor (dia. th/j avga,phj douleu,ete avllh,loij)” (Gl 5, 13). Esta liberdade consiste, precisamente, no serviço por amor (dia. th/j avga,phj). O ‘avga,ph’ é apresentado em sua dimensão de amor-doacção ao próximo.
Olhando em retrospectiva, observamos aqui que tanto o desenrolar da vida cristã como o início da mesma, através da justificação pela fé, só são possíveis a partir do amor: “Pi,stij diV avga,phj evnergoume,nh” (Gl 5, 6). É interessante observar como a fé em Paulo não aparece separada do amor, mas como um elemento vital do mesmo amor. A fé que opera a justificação é já uma fé potenciada pelo amor de Deus. Isto significa que uma adesão de fé que não comporta-se um mínimo de amor nas pegadas de Cristo, como disponibilidade para o serviço aos outros, não seria a fé no sentido paulino do termo.
O elemento central da vida cristã, desde o inicio até ao fim, é, portanto, o ‘avga,ph’. E, assim, o Espírito Santo, a dádiva de Deus que torna possível o amor, aparece tanto como a origem da fé como do amor. Ele é Aquele que permite o acto de fé, através do ‘avga,ph’, e Aquele que garante o desabrochar do mesmo ‘avga,ph’. O espírito santo, fonte do ‘avga,ph’ (Rm 5, 5) é o Espírito de adopção que nos leva a clamar “Abba! Pai” (Gl 4, 6). O espírito é o impulso filial impresso na vida inteira do crente. Vida filial caracterizada, essencialmente, pela liberdade, pois, o filho não é mais escravo. Como diz o apostolo, “vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adopção de filhos. E, porque sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Abba, Pai. Assim que já não és mais servo, mas filho; e, se és filho, és também herdeiro de Deus por Cristo” (Gl 4, 4-7). Porém, não se trata de uma liberdade barata, mas de uma liberdade soberanamente exigente, porque é caminho de amor-doação - ‘avga,ph’-, onde não existem limites para o serviço. É uma liberdade que só desabrocha como serviço mútuo, no clima do ‘avga,ph’. Esta via do ‘avga,ph’ é a via da liberdade porque “onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2 Cor 3, 17). Como diz o apóstolo, esta liberdade não é para fazer aquilo que apetece, segundo o instinto (que é expresso pela palavra ‘sarx’), porque “se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito” (Gl 5, 25) “e o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança” (Gl 5, 22).
É interessante notar a diferença de linguagem entre “as obras (no plural) da Lei” e “o fruto (no singular) do espírito” (“o` de. karpo.j tou/ pneu,mato,j…”). Isto porque, mais do que obras, aqui se trata de um estilo de vida, a vida no Espírito, caracterizada pelo ‘avga,ph’. Este ‘avga,ph’ assume e mete em prática toda a Lei. A Lei, ao final de contas não é abolida, mas superada, porque é reassumida totalmente no novo mandamento: o do serviço aos demais a exemplo de Cristo – o ‘avga,ph’. Ao critério da Lei, já superado, é substituído um outro critério: o ‘avga,ph’. Assim, a Lei entra no âmbito da liberdade e é totalmente recuperada através do ‘avga,ph’. Este novo estilo de vida vem descrito pelo apostolo, na carta aos Filipenses, da seguinte forma: “Que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz” (Fl 2, 5-8).
Paulo adopta este termo especifico do ‘avga,ph’, que é quase desconhecido na linguagem literária do seu tempo, com o qual a nova concepção de vida em Cristo ressuscitado se identifica. ‘Aga,ph’ é o amor que se dá, é a relação inter-humana entendida como um dom. É um movimento que começando em Deus, no Cristo que assumiu a condição de servo, cria nos homens um movimento horizontal semelhante. Como Cristo que se deu a si mesmo a favor do homem, assim, o homem é chamado a dar-se aos outros em atitude de serviço.
Toda esta descrição que o apóstolo faz da ‘vida nova’ é apresentada através do binómio linguístico: carne (sa.rx) e espírito (pneu/ma): “Andai em Espírito, e não cumprireis a concupiscência da carne. Porque a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro” (Gl 5, 16-17). “Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” (Rm 14, 17).

A Digressio em São Paulo

A Digressio é uma estratégia de retórica, uma mudança intencional do assunto, que coloca o ouvinte/ leitor mais profundamente na temática. Paulo conhece esta estratégia e a põe em prática nas suas cartas:


Rom. 8, 31
1Que mais havemos de dizer? Se Deus está por nós, quem pode estar contra nós? 32Ele, que nem sequer poupou o seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não havia de nos oferecer tudo juntamente com Ele? 33Quem irá acusar os eleitos de Deus? Deus é quem nos justifica! 34Quem irá condená-los? Jesus Cristo, aquele que morreu, mais, que ressuscitou, que está à direita de Deus é quem intercede por nós. 35Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?A tribulação, a angústia,
a perseguição,
a fome, a nudez,
o perigo, a espada?
36De acordo com o que está escrito:
Por causa de ti, estamos expostos à morte o dia inteiro,
fomos tratados como ovelhas destinadas ao matadouro.
37Mas em tudo isso saímos mais do que vencedores,
graças àquele que nos amou.
38Estou convencido de que nem a morte nem a vida,
nem os anjos nem os principados,
nem o presente nem o futuro,
nem as potestades,
39nem a altura, nem o abismo,
nem qualquer outra criatura
poderá separar-nos do amor de Deus
que está em Cristo Jesus, Senhor nosso.


Fil 2,5
5Tende entre vós os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus: 6Ele, que é de condição divina,não considerou como uma usurpação ser igual a Deus;
7no entanto, esvaziou-se a si mesmo,
tomando a condição de servo.
Tornando-se semelhante aos homens
e sendo, ao manifestar-se, identificado como homem,
8rebaixou-se a si mesmo,
tornando-se obediente até à morte
e morte de cruz.
9Por isso mesmo é que Deus o elevou acima de tudo
e lhe concedeu o nome
que está acima de todo o nome,
10para que, ao nome de Jesus,
se dobrem todos os joelhos,
os dos seres que estão no céu,
na terra e debaixo da terra;
11 e toda a língua proclame:
"Jesus Cristo é o Senhor!",
para glória de Deus Pai.

Meditações acerca de 1Cor 13, 4ss

Tenho estado a ler um livro com o seguinte titulo: “prática de Amar Jesus Cristo” de S. Afonso de Ligório. Este livro é uma meditação a respeito da passagem 1Cor 13, 4ss, curiosamente uma das passagens que recentemente analisámos na aula de Escritos paulinos.
Nessa medida gostava de partilhar convosco, ao longo destas semanas, algumas meditações feitas por este Santo. Escreve S. Afonso Maria de Ligório a respeito do “amor não é invejoso” (1Cor 13, 4): “Notemos que não basta fazer boas obras, é preciso fazê-las bem. Para que as nossas obras sejam boas e perfeitas, é mistério fazê-las com a intenção pura de agradar a Deus. Fez bem todas as coisas. Muitas coisas serão em si louváveis, mas porque são feitas com outro fim que o da glória de Deus, pouco ou nada valerão junto d’Ele”.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Os hinos são para ser cantados

Para quem acha piada a estas coisas...e gosta de grego e da fabulosa poesia agápica do hino de 1Cor 13, coloco aqui um vídeo com uma música da banda sonora do filme Blue, do realizador polaco Kieslowski. Trata-se do referido hino musicado por Zbigniew Preisner e cantado em grego. Aqui vai também a letra, para se poder acompanhar. Espero que gostem...


Ean tais glosais toon antropoon lalo kai toon angeloon, agapen de me echo, gegona chalcos echoon e kumbalon alaladzon.
Kai ean echo profeteian, kai eido ta mysteria panta, kai pasan ten gnosin kai ean echo pasan ten pistin oste ore metistanai, agapen de me echo, outen eimi
Kan psomiso panta ta uparchonta mou kai ean parado to soma mou ina kauchesomai agapen de me echo, ouden ofelumai
He agape makrotumai, chresteuetai he agape ou dzelloi he agape ou perpereuetai, ou fysioutai. ouk aschemonei, ou dzetei ta heautes ou paroxynetai, ou logidzetai to kakon, ou chairei epi te adikia sunchairei de tei aleteia
panta stegei, panta pisteuei, panta elpizei, panta upomenei. He agape oudepotte piptei eite de profeteiai, katargetezontai, eite glosai, pausontai, eite gnossis katargetesetai
Ek merous char ginoscomen kai ek merous profetueiomen
Hottan de elte to teleion, to ek merous katargetesetai
Hotte emen nepios eulaloun oos nepios, eufroun oos nepios, elogydzomen oos nepios hotte gegona aner, katercheka ta tou nepiou
Blepomen char arti di esopterrou en ainikmati, totte de prosopon pros prosopon arti ginosco ek merous, totte de epignosomai katoos kai epegnosten.
Nuni de menei, pistis, elpis, agape, ta tria tauta, meidzoon de toutoon, he agape.

A ressurreição, segundo J.D. Crossan


Já que andamos a falar da correspondência com a comunidade de Corinto nas últimas aulas, permitam-me que partilhe convosco a seguinte reflexão de um conhecido biblista. Na opinião deste autor (cf. J.D. CROSSAN, Jesus. A revolutionary biography, 1994), a ênfase no acontecimento da ressurreição não veio do grupo dos discípulos mais próximos de Jesus, mas sim de Paulo. Bastantes anos antes da conclusão do processo de escrita dos evangelhos, Paulo escreve à comunidade de Corinto, defendendo, entre outras coisas, a possibilidade e a realidade da ressurreição corporal, cf. 1Cor 15,12-20. Nesta argumentação, a ressurreição de Cristo não é vista como um privilégio especial concedido a este, o que aliás teria sido perfeitamente possível. Pelo contrário, a de Cristo é olhada como um caso particular da própria possibilidade de ressurreição dos mortos em geral. E porquê?

Para Crossan, não é inteiramente correcta a ideia de que Paulo acreditava que o fim do mundo estaria próximo. Mais que isso, para Paulo, o fim do mundo já tinha começado. A lógica é a seguinte: como fariseu, acreditava na ressurreição no fim dos tempos; portanto, se Jesus ressuscitou, o processo de ressurreição no fim dos tempos já estava em marcha. Apenas a misericórdia de Deus impedia a consumação final. Transpondo para imagens, o Titanic já bateu no iceberg, e Paulo tenta despertar os passageiros, enquanto Deus lhe dá tempo para tal.

Na teologia paulina, portanto, a ressurreição é a única forma de expressar a fé em Jesus Cristo e na sua contínua presença no meio daqueles que nele crêem. No entanto, ela [a ressurreição de Jesus] está também intimamente ligada à ressurreição geral no fim dos tempos. Assim, se o fim não está iminente (como de facto não estava), continuará a ser a ressurreição a única ou a melhor categoria teológica para exprimir esta fé? Crossan afirma que não será a única e que não deve ser tomada como normativa para outras tradições cristãs. Estará ele a dizer que a fé em Cristo não tem de passar necessariamente pelo evento da ressurreição? Opinião deveras polémica, seguramente. Alguém concorda?

O Odor de Cristo


"Mas graças sejam dadas a Deus, que, em Cristo, nos conduz sempre em seu triunfo e, por nosso intermédio, difunde em toda a parte o perfume do seu conhecimento.
Porque somos para Deus o bom odor de Cristo, para aqueles que se salvam e para aqueles que se perdem:
para uns, odor da morte que conduz à morte; para outros, odor da vida que conduz à vida."


 

2 Cor 2, 14-16


 

Acho que isto não necessita de ser comentado.

Seria apenas estragar a densidade de Paulo.

Referi porque acho que é bom para este tempo Pascal!

Bom Estudo Para todos

O percurso histórico de Paulo no contexto da luta pela liberdade

Síntese a partir do livro de Josef Holzner, intitulado “Paulo de Tarso”, pela editora Quadrante, em 1994.

Após um longo período de retiro na Arábia e em Tarso, Paulo inicia uma participação activa na comunidade de Antioquia. Ali Paulo afirma que a salvação operada por Jesus Cristo é universal e que a sua morte libertou os homens da antiga Lei.
É assim que a Igreja de Antioquia, por influência de Paulo, foi a primeira a desligar-se do solo materno do judaísmo. Já na primeira viagem de missão do apóstolo o encontramos a proclamar esta novidade do seguinte modo: “E nós vos anunciamos que a promessa que foi feita aos pais, Deus a cumpriu a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus… E de tudo o que, pela lei de Moisés, não pudestes ser justificados, por ele é justificado todo aquele que crê” (At 13, 32-33. 39).
Paulo anuncia o contraste entre a lei e a graça, o que suscitará uma viva reacção dos judeus conservadores e radicais contra Ele, dando assim início a uma perseguição que só terminará com a sua morte. Ele será perseguido como renegado e o ódio do sue povo haverá de segui-lo aonde quer que vá.
Paulo volta-se desde esse momento para os gentios (cf. At 13, 46) o que lhe granjeia o título de apóstolo dos gentios. De facto, a primeira comunidade cristã resultante da sua missão (a dos gálatas) foi constituída na maior parte por pagãos convertidos ao cristianismo, sendo os judeus uma minoria.
Paulo anuncia que o decisivo não é a pertença pelo sangue ao Povo Eleito, mas a fé em Cristo; aquela fé que derruba o muro entre judeus e gentios, pois somos verdadeiramente descendentes de Abraão pela fé e não pelo sangue (cf. Gl 3, 6-14).
Na verdade a primeira comunidade cristã resultante da sua missão era constituída na maior parte por pagãos convertidos ao cristianismo e não judeus.
Tudo isto constituía a luta de Paulo a favor da liberdade cristã e a denúncia da escravidão de lei.
Quando Paulo regressa a Antioquia com Barnabé acaba encontrando ali a mesma problemática acerca da necessidade ou não da observância da Lei de Moisés. Os irmãos de Jerusalém não compreendiam a nova situação da comunidade de Antioquia e negavam que os recém-convertidos do paganismo fossem verdadeiros cristãos, sustentando que não deviam ter sido baptizados sem conhecerem primeiro a Lei de Moisés. Na verdade a maioria dos cristãos pertencente a esta comunidade era proveniente do paganismo e semi-prosélitos (os chamados tementes a Deus e que só tinham uma relação muito vaga com a sinagoga).
Diante disto era necessário encontrar uma solução, pois de outro modo, a Igreja corria o risco de se dividir em duas partes.
Também Paulo sentia-se ameaçado, pois se esta corrente de opinião triunfasse então as suas convicções mais profundas e todo o seu trabalho em missão teria sido em vão.
Mas fazer depender a admissão na Igreja da circuncisão e da lei ritual significava reduzir a Igerja a uma extensão da Sinagoga e a negar, consequentemente, a universalidade da redenção. E também, recebê-los como cristãos de segunda categoria, ao lado dos cristãos completos (que seriam os provenientes do judaísmo), equivalia a constituir dois grupos de fieis, a criar os prosélitos da Igreja, e a levantar assim um muro de separação no seu próprio seio (á semelhança do judaísmo); deste modo o cristianismo, a exemplo do judaísmo, seria também uma religião de raça, tendo como elemento comum o sangue judaico.
Foi Paulo quem reconheceu toda esta gravidade da situação e quem soube solucioná-la. Ele foi o pioneiro da liberdade cristã e da Igreja universal.

Muitos judeus cristãos de Jerusalém, convertidos do farisaísmo, tinham-se despido das vestes judaicas no Baptismo mas não tinham posto de lado o espírito farisaico. Estes judeus convertidos de Jerusalém intimidavam até os próprios apóstolos. Para eles os pagãos podiam fazer parte do Reino, mas não em pé de igualdade com os judeus.
Embora aceitassem que Jesus fosse o Messias e o Rei de todos não prescindiam dos privilégios da sua raça. Pensavam que a esperança messiânica fosse uma herança particular do seu povo. Só os descendentes de Abraão ou os que se sujeitassem à circuncisão e se integrassem no Povo Eleito poderiam ser cidadãos plenos do Reino. Estes judeus-cristãos formavam um obstinado partido conservador no seio da Igreja-mãe de Jerusalém. E provavelmente, quando souberam que Paulo estava de regresso a Antioquia, depois de ter fundado uma Igreja entre os gentios, e que tinha feito vigorar vitoriosamente as suas ideias na comunidade antioquena, esse partido enviou a Antioquia alguns dos seus representantes. E a sua chegada deve ter sido desde logo origem de confusão, pois, lavavam as mãos depois de um contacto eventual com um pagão-cristão e não aceitavam nenhum convite para ir a uma casa cristã para não se sentarem à mesma mesa com os não circuncidados. E declararam: “Se não vos circuncidardes conforme o uso de Moisés, não podeis salvar-vos” (At 15, 1).
Ao que daqui resultou uma grande discussão entre Paulo e eles, tendo sido decidido que Paulo deveria subir a Jerusalém para decidir com os apóstolos e os anciãos sobre aquela questão (cf. At 15, 2).
A questão fundamental era saber se a salvação se dava pela Lei ou pela graça de Cristo.
Não foi fácil para Paulo vencer a barreira dos preconceitos e da educação judaica e fazer assim triunfar a liberdade cristã. Na verdade ela nunca foi vencida no coração dos “falsos irmãos”, que o perseguiram até á morte pelo este motivo.
Paulo fez-se acompanhar do jovem Tito, um pagão convertido, para mostrar os frutos da Igreja entre os gentios. E confessa na carta aos Gálatas que nem por um instante cedeu à exigência de fazer circuncidar Tito (cf. Gl 2, 3-5). Por fim o Espírito Santo triunfou e foi declarada a verdade da liberdade cristã. A comunidade de Antioquia rejubilou e Paulo viu confirmada a sua convicção e missão entre os gentios.
Contudo restava ainda uma dúvida. Continuava-se sem saber se a isenção cristã da lei ritual se aplicava somente aos pagãos-cristãos ou também aos judeus-cristãos. Será que estes últimos deveriam continuar a carregar o peso da Lei de Moisés. Se fosse assim, continuaria a existir duas classes de cristãos: os puros, fieis à Lei, e os impuros ou imperfeitos, isentos da Lei. E o orgulho da raça judaica fazia sempre questão de levantar este muro da separação. Ora, o incidente de Antioquia, entre Paulo e Pedro, tornou definitivamente clara esta questão.
Paulo via que Pedro e também Barnabé, diante dos judeus-cristãos, tinha um comportamento diferente daquele que tinha com os pagaõs-cristãos. Diante dos judeus-cristãos ‘devotos’ Pedro perdia a segurança e se afastava do convívio sicial evitando sentar-se á mesa com todos e até nos ágapes se isolava com os judeus- cristãos em mesas à parte. Foi então que Paulo lhe “resistiu cara a cara” dizendo diante de todos: “Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?” (Gl 2, 14).
E continuando Paulo faz uma síntese do seu ensinamento: “Nós somos judeus por natureza, e não pecadores dentre os gentios. Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada. Pois, se nós, que procuramos ser justificados em Cristo, nós mesmos também somos achados pecadores, é porventura Cristo ministro do pecado? De maneira nenhuma. Porque, se torno a edificar aquilo que destruí, constituo-me a mim mesmo transgressor. Porque eu, pela lei, estou morto para a lei, para viver para Deus. Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim. Não aniquilo a graça de Deus; porque, se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu debalde” (Gl 3, 15-21).
Pedro e Barnabé foram suficientemente humildes para reconhecerem o seu erro, e a situação salvou-se.