terça-feira, 26 de maio de 2009

“Quando eu for para Espanha”

1 – No coração de Roma, onde palpitava toda a vida do Império, Lucas deixa-nos Paulo a anunciar livremente o Evangelho de Jesus Cristo. «Recebia todos os que o procuravam, pregando o Reino de Deus. Com toda a coragem e sem obstáculos, ensinava as coisas que se referiam ao Senhor Jesus Cristo» (Act. 28, 30-31). Lucas quis terminar o seu livro num contexto de liberdade e glória para o Apóstolo dos Gentios. Entretanto surgem-nos algumas perguntas: Foi julgado no tribunal de César e declarado inocente? Os judeus da Palestina vieram a Roma acusá-lo? Da sua morte, que a tradição apresenta como mártir, Lucas deixa-nos na incerteza.As duas cartas a Timóteo e uma a Tito mostram-nos o apóstolo novamente preso em Roma e esquecido pelos amigos, «somente Lucas está comigo» (2 Tim. 4,11).E o desejo veemente de Paulo de chegar até à Espanha, como escrevera na carta aos Romanos, «quando eu for para a Espanha espero ver-vos por ocasião da minha passagem. Espero receber também a vossa ajuda para ir até lá…» (Rom. 15, 24)?Paulo foi libertado cerca do ano 62, se a sua morte ocorreu no ano 67 ou 68 d. C. sob o imperador Nero, que, segundo Tácito, nos seus Anais, «produziu bodes expiatórios, com todo o refinamento, os notoriamente depravados cristãos, como eram popularmente chamados», o apóstolo teve ainda cinco a seis anos durante os quais não deixou de anunciar o Senhor Jesus Cristo. Eusébio, o exímio historiador das origens do cristianismo, escreveu na sua História Eclesiástica (2. 25): «está registado que Paulo foi decapitado em Roma, no reinado de Nero».«Atingiu o extremo do ocidente»

2 - Paulo tinha um temperamento de fogo que exigia acção imediata, a sua opção por chegar até ao fim do ocidente para evangelizar, como teve tempo após ser libertado em Roma, não agiu contra si mesmo. Acreditamos, portanto, que veio até à península ibérica por via marítima, viagem aliás fácil, num dos barcos que saía do porto de Óstia e, após uma semana, chegou às costas da Catalunha. Quanto ao lugar e forma de evangelização, nem o apóstolo nem Lucas, o redactor dos Actos dos Apóstolos, nada deixaram escrito, mas Clemente de Roma, escrevendo aos Coríntios, falando dos últimos anos do apóstolo escreveu: Paulo «foi um arauto do (evangelho) não somente no oriente, mas também no ocidente… tendo ensinado a justiça em todo o mundo ele atingiu o extremo do ocidente, e deu o testemunho diante do governo».Roma não é o extremo do ocidente, este testemunho de Clemente compreende-se, se, após Roma, Paulo veio até à península ibérica cuja viagem estava programada desde há vários anos. Se o apóstolo sofreu um segundo cativeiro romano, como escreveu Clemente, que não foi uma residência forçada como na primeira chegada a Roma, mas uma prisão provocada por denúncias, sendo «vítima dos ciúmes e da discórdia, Paulo mostra-nos o preço que estava reservado à sua paciência».Neste texto, São Clemente alude não só à pregação de Paulo no extremo ocidente, mas também a um segundo cativeiro romano, provavelmente vítima de acusações dos judeus. O apóstolo foi preso «com cadeias, como se fosse um malfeitor», escreveu a Timóteo (2 Tim. 2, 9).«Lembrado das tuas lágrimas»

3 – Segundo as cartas pastorais a Timóteo e Tito, Paulo voltou novamente, após a viagem a Espanha, ao oriente para preparar a sucessão nas igrejas que ele tinha estabelecido, tanto em Éfeso, onde colocou Timóteo, como na ilha de Chipre, confiada a Tito. Talvez que tivesse visitado as comunidades que tanto amara e onde era amado, Filipos e Tessalónica, que «irradiavam a palavra do Senhor» (1 Tess 1, 8).Do porto de Neápolis, a actual Kavala, tomou a nave para Tróade, onde talvez por causa do calor, deixou o manto em casa de Carpo, com os livros e os pergaminhos (2 Tim. 4, 13) que continham as Escrituras hebraicas, talvez palavras de Jesus e cópias das cartas que escrevera às comunidades e as que tinha recebido delas.É provável que, antes de chegar a Éfeso, tivesse visitado as grandes cidades romanas de Pérgamo e Esmirna, comunidades que não tinham sido criadas por ele, mas pelos seus missionários provenientes de Éfeso. Nesta cidade encontrou o amigo e companheiro de tantas viagens apostólicas, Timóteo, que não tinha uma personalidade forte e decidida para enfrentar um cargo tão oneroso numa cidade tão difícil de controlar as exigências e ideias da comunidade cristã, num meio pagão. Na carta que lhe enviou, Paulo escreveu: «sem cessar, noite e dia, faço memória de ti nas minhas orações, desejando ver-te, lembrado das tuas lágrimas, para me encher de alegria, trazendo à memória aquela fé tão sincera que há em ti…» (2 Tim. 1, 3).Paulo, em Éfeso, tinha a seu lado vários companheiros de apostolado, Tito, Lucas, Dimas, Tíquico que, de Roma, levara as cartas aos Colossenses e Efésios, Trófimo que o acompanhara a Jerusalém na última viagem e fora, inconscientemente, causa da sua prisão no Templo. Foi na província da Ásia que Paulo teve conhecimento da situação catastrófica que se abatera sobre os cristãos de Roma. O imperador Nero, que no princípio do seu reinado se mostrara moderado, enlouqueceu após o incêndio de Roma, no ano 64 d. C. Nero tomou medidas drásticas para calar os que lhe atribuíam a causa do incêndio da cidade. A culpa era dos cristãos. A notícia correu veloz por todo o Império e chegou às igrejas paulinas da Ásia, da Macedónia e da Acaia. Paulo decidiu voltar a Roma e enviou à frente Tíquico para informar a comunidade da sua decisão e planos. Não sabemos o que aconteceu para ser preso, mas quando se quer destruir uma comunidade, começa-se por aprisionar os chefes, neste caso, Pedro e Paulo.

D. Teodoro, Bispo Emérito do Funchal


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