terça-feira, 5 de maio de 2009

O percurso histórico de Paulo no contexto da luta pela liberdade

Síntese a partir do livro de Josef Holzner, intitulado “Paulo de Tarso”, pela editora Quadrante, em 1994.

Após um longo período de retiro na Arábia e em Tarso, Paulo inicia uma participação activa na comunidade de Antioquia. Ali Paulo afirma que a salvação operada por Jesus Cristo é universal e que a sua morte libertou os homens da antiga Lei.
É assim que a Igreja de Antioquia, por influência de Paulo, foi a primeira a desligar-se do solo materno do judaísmo. Já na primeira viagem de missão do apóstolo o encontramos a proclamar esta novidade do seguinte modo: “E nós vos anunciamos que a promessa que foi feita aos pais, Deus a cumpriu a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus… E de tudo o que, pela lei de Moisés, não pudestes ser justificados, por ele é justificado todo aquele que crê” (At 13, 32-33. 39).
Paulo anuncia o contraste entre a lei e a graça, o que suscitará uma viva reacção dos judeus conservadores e radicais contra Ele, dando assim início a uma perseguição que só terminará com a sua morte. Ele será perseguido como renegado e o ódio do sue povo haverá de segui-lo aonde quer que vá.
Paulo volta-se desde esse momento para os gentios (cf. At 13, 46) o que lhe granjeia o título de apóstolo dos gentios. De facto, a primeira comunidade cristã resultante da sua missão (a dos gálatas) foi constituída na maior parte por pagãos convertidos ao cristianismo, sendo os judeus uma minoria.
Paulo anuncia que o decisivo não é a pertença pelo sangue ao Povo Eleito, mas a fé em Cristo; aquela fé que derruba o muro entre judeus e gentios, pois somos verdadeiramente descendentes de Abraão pela fé e não pelo sangue (cf. Gl 3, 6-14).
Na verdade a primeira comunidade cristã resultante da sua missão era constituída na maior parte por pagãos convertidos ao cristianismo e não judeus.
Tudo isto constituía a luta de Paulo a favor da liberdade cristã e a denúncia da escravidão de lei.
Quando Paulo regressa a Antioquia com Barnabé acaba encontrando ali a mesma problemática acerca da necessidade ou não da observância da Lei de Moisés. Os irmãos de Jerusalém não compreendiam a nova situação da comunidade de Antioquia e negavam que os recém-convertidos do paganismo fossem verdadeiros cristãos, sustentando que não deviam ter sido baptizados sem conhecerem primeiro a Lei de Moisés. Na verdade a maioria dos cristãos pertencente a esta comunidade era proveniente do paganismo e semi-prosélitos (os chamados tementes a Deus e que só tinham uma relação muito vaga com a sinagoga).
Diante disto era necessário encontrar uma solução, pois de outro modo, a Igreja corria o risco de se dividir em duas partes.
Também Paulo sentia-se ameaçado, pois se esta corrente de opinião triunfasse então as suas convicções mais profundas e todo o seu trabalho em missão teria sido em vão.
Mas fazer depender a admissão na Igreja da circuncisão e da lei ritual significava reduzir a Igerja a uma extensão da Sinagoga e a negar, consequentemente, a universalidade da redenção. E também, recebê-los como cristãos de segunda categoria, ao lado dos cristãos completos (que seriam os provenientes do judaísmo), equivalia a constituir dois grupos de fieis, a criar os prosélitos da Igreja, e a levantar assim um muro de separação no seu próprio seio (á semelhança do judaísmo); deste modo o cristianismo, a exemplo do judaísmo, seria também uma religião de raça, tendo como elemento comum o sangue judaico.
Foi Paulo quem reconheceu toda esta gravidade da situação e quem soube solucioná-la. Ele foi o pioneiro da liberdade cristã e da Igreja universal.

Muitos judeus cristãos de Jerusalém, convertidos do farisaísmo, tinham-se despido das vestes judaicas no Baptismo mas não tinham posto de lado o espírito farisaico. Estes judeus convertidos de Jerusalém intimidavam até os próprios apóstolos. Para eles os pagãos podiam fazer parte do Reino, mas não em pé de igualdade com os judeus.
Embora aceitassem que Jesus fosse o Messias e o Rei de todos não prescindiam dos privilégios da sua raça. Pensavam que a esperança messiânica fosse uma herança particular do seu povo. Só os descendentes de Abraão ou os que se sujeitassem à circuncisão e se integrassem no Povo Eleito poderiam ser cidadãos plenos do Reino. Estes judeus-cristãos formavam um obstinado partido conservador no seio da Igreja-mãe de Jerusalém. E provavelmente, quando souberam que Paulo estava de regresso a Antioquia, depois de ter fundado uma Igreja entre os gentios, e que tinha feito vigorar vitoriosamente as suas ideias na comunidade antioquena, esse partido enviou a Antioquia alguns dos seus representantes. E a sua chegada deve ter sido desde logo origem de confusão, pois, lavavam as mãos depois de um contacto eventual com um pagão-cristão e não aceitavam nenhum convite para ir a uma casa cristã para não se sentarem à mesma mesa com os não circuncidados. E declararam: “Se não vos circuncidardes conforme o uso de Moisés, não podeis salvar-vos” (At 15, 1).
Ao que daqui resultou uma grande discussão entre Paulo e eles, tendo sido decidido que Paulo deveria subir a Jerusalém para decidir com os apóstolos e os anciãos sobre aquela questão (cf. At 15, 2).
A questão fundamental era saber se a salvação se dava pela Lei ou pela graça de Cristo.
Não foi fácil para Paulo vencer a barreira dos preconceitos e da educação judaica e fazer assim triunfar a liberdade cristã. Na verdade ela nunca foi vencida no coração dos “falsos irmãos”, que o perseguiram até á morte pelo este motivo.
Paulo fez-se acompanhar do jovem Tito, um pagão convertido, para mostrar os frutos da Igreja entre os gentios. E confessa na carta aos Gálatas que nem por um instante cedeu à exigência de fazer circuncidar Tito (cf. Gl 2, 3-5). Por fim o Espírito Santo triunfou e foi declarada a verdade da liberdade cristã. A comunidade de Antioquia rejubilou e Paulo viu confirmada a sua convicção e missão entre os gentios.
Contudo restava ainda uma dúvida. Continuava-se sem saber se a isenção cristã da lei ritual se aplicava somente aos pagãos-cristãos ou também aos judeus-cristãos. Será que estes últimos deveriam continuar a carregar o peso da Lei de Moisés. Se fosse assim, continuaria a existir duas classes de cristãos: os puros, fieis à Lei, e os impuros ou imperfeitos, isentos da Lei. E o orgulho da raça judaica fazia sempre questão de levantar este muro da separação. Ora, o incidente de Antioquia, entre Paulo e Pedro, tornou definitivamente clara esta questão.
Paulo via que Pedro e também Barnabé, diante dos judeus-cristãos, tinha um comportamento diferente daquele que tinha com os pagaõs-cristãos. Diante dos judeus-cristãos ‘devotos’ Pedro perdia a segurança e se afastava do convívio sicial evitando sentar-se á mesa com todos e até nos ágapes se isolava com os judeus- cristãos em mesas à parte. Foi então que Paulo lhe “resistiu cara a cara” dizendo diante de todos: “Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?” (Gl 2, 14).
E continuando Paulo faz uma síntese do seu ensinamento: “Nós somos judeus por natureza, e não pecadores dentre os gentios. Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada. Pois, se nós, que procuramos ser justificados em Cristo, nós mesmos também somos achados pecadores, é porventura Cristo ministro do pecado? De maneira nenhuma. Porque, se torno a edificar aquilo que destruí, constituo-me a mim mesmo transgressor. Porque eu, pela lei, estou morto para a lei, para viver para Deus. Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim. Não aniquilo a graça de Deus; porque, se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu debalde” (Gl 3, 15-21).
Pedro e Barnabé foram suficientemente humildes para reconhecerem o seu erro, e a situação salvou-se.

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